Malasaventuras - Pedro Bandeira


MALASAVENTURAS – SAFADEZAS DO MALASARTES
Pedro Bandeira

1. O PÁSSARO LAPÃO




Do tal Pedro Malasartes, você já ouviu falar?
Pois prepare sua risada que estou pronto pra contar.

Esse Pedro é uma caipira bem do tipo brasileiro:
É quietão, de fala mansa, mas sabido e muito arteiro.

Pra dar duro no batente, nosso Pedro é só preguiça,
mas não perde ocasião de vingar uma injustiça.

E injustiça é o que não falta pra qualquer pobre roceiro
Pois a lei só anda ao lado de quem tem muito dinheiro.

Foi assim que certa vez o Martinho Deodato,
capataz do coronel, foi caçar jacu no mato.

Quando ouviu um barulhinho, levou a espingarda ao peito,
mas errou a pontaria, deu um tiro tão sem jeito
que matou o cabritinho da viúva do Chicão
e em vez de pagar a perda ainda disse um palavrão!

A viúva foi ao Pedro contar a situação.
Pedro não era de briga, mas jurou reparação.

Tratou logo de comer uma janta reforçada:
rapadura, dois repolhos e uma enorme feijoada...

E, montado na mulinha, foi trotando, num instante,
passou pelo boticário e tomou um bom purgante!

Frente à casa do Martinho, agachou-se bem na estrada.
Esperou fazer efeito e soltou a feijoada!

Com o seu velho chapéu, tudo aquilo ele tapou
e agarrando bem as abas, calmamente ele esperou.

Foi aí que o Deodato a tal cena veio ver,
mas achando muito estranho, malcriado quis saber:

- Mas que cheiro será esse? Que fedor vem dessa estrada!
- É catinga da mulinha, que anda meio enfastiada...

-Que será que está havendo? Será louco esse sujeito?
O que está fazendo aí, agachado desse jeito?
Pra erguer esse chapéu você não tem força, não?
Ou será que esse chapéu tá pregado aí no chão?

Malasartes até gostou da caçoada do safado,
pois chegara a ocasião de fisgá-lo bem fisgado:

-Nada disso, meu amigo, é que eu consegui pegar
o tal pássaro lapão que não pode me escapar.
Quando voa, as suas penas enchem de cores o céu.
Mas agora ele está preso debaixo do meu chapéu.
Foi assim que aconteceu: fui chegando de mansinho,
dei um bote bem certeiro, e peguei o passarinho!
Ele é muito valioso: a mulher do delegado
prometeu dar um milhão se eu pegar este danado...

Quando ouviu falar daquilo, a cobiça começou
a crescer no Deodato, e o safado comentou:

-Um milhão é um bom dinheiro, muito mais que o senhor pensa.
E por que não vai buscar essa grande recompensa?


A arapuca estava pronta, só faltava um bocadinho
para ver o Deodato cair nela direitinho.

Esse é um bicho delicado, qualquer coisa lhe faz mal.
Só se deve transportá-lo em gaiola especial.
A gaiola é muito cara, fabricada no estrangeiro,
e eu nem sei o que fazer já que não tenho dinheiro...

A cobiça foi crescendo, até dava comichão,
pois aquele capataz só pensava no milhão:

-Vou enganar esse caipira, pelo jeito ele é um cretino.
Não fosse eu, o Deodato, um sujeito tão ladino...

Se a questão era dinheiro, e se o outro nada tinha,
para ele estava fácil, era só manter a linha:

-Gostaria de ajudar a o problema resolver.
A gaiola, quanto custa? Gostaria eu de saber...

Malasartes suspirou, fez um cálculo mental,
lembrou da boa viúva e do seu pobre animal.

-A gaiola, meu amigo, é bem cara, eu admito.
Ela custa, lá na venda, mais que o preço de um cabrito...

Sem perder nem um segundo, nem contar o que continha,
Deodato lhe estendeu a carteira bem cheinha:

- Aqui está todo o dinheiro, não precisa nem contar.
Deixe que eu seguro as abas, e a gaiola vá comprar!

Malasartes foi pegando o dinheiro sem demora,
montou rápido na mula e tratou de ir logo embora.

Foi pra casa da viúva, que chegou a dar um grito
quando viu tanto dinheiro pra comprar outro cabrito.

Agarrado bem nas abas, pôs-se o Martinho a pensar,
ainda achando muito estranho aquele cheiro no ar:

- Mas que cheiro será esse? Que fedor vem dessa estrada!
Vai ver foi mesmo a mulinha, que anda meio enfastiada!

O Martinho Deodato ficou vendo o Pedro ir
e assim que se viu sozinho, bem feliz ficou a rir:

-Pelo preço de um cabrito, vou ganhar esse milhão!
Agora é só agarrar o tal pássaro lapão!

Foi pegar o passarinho, mas, com medo de feri-lo,
devagar ergueu a aba e enfiou a mão... naquilo!

Ai, que o Pedro Malasartes é um sujeito bem danado!
E eu estou muito satisfeito se você achou gozado.

Só que eu quero uma ajuda pra fazer final diverso
para a história que eu contei e que foi narrada em verso.

O final de uma anedota muito jeito tem para ser.
Se você encontrar a rima, outro verso eu vou fazer:

Foi pegar o passarinho de uma forma meio lerda,
devagar ergueu a aba e enfiou a mão na... (ache a rima certa!)

Achou? Muito bem, bem, bem!


Mas que sensibilidade! Você está de parabéns!
Uma alma de poeta de nascença você tem!

Uma rima é uma rima, dos poetas é a glória,
Pois podia ser assim o final da nossa história:

Foi pegar o passarinho, bem do jeito que ele gosta.
Devagar ergueu a aba e enfiou a mão na... (ache a rima certa!)



Achou? Muito bem, bem, bem!
Você é um poeta nato do começo até o final!
Isso eu posso garantir: é um artista sem igual!

De encontrar fico feliz tão profunda inspiração.
Ver poesia a transbordar da alma e do coração!

Fazer poesia é bem fácil, vou contar como se faz.
Todo verso dá bem certo para a frente e para trás.

Estes versos, eu repito, pra o que eu disse comprovar.
Vamos ver se fica certo se as palavras eu mudar:

Fico feliz de encontrar inspiração tão profunda.
Ver transbordar a poesia do coração e da... (ache a rima certa!)

Achou? Muito bem, bem, bem!
Tá vendo como deu certo esse jeito de rimar?
Pra artista como você  é bem fácil ensinar!

Só que eu me despeço, pois eu tenho de partir.
Mas eu levo o seu carinho se quiser me aplaudir!


2. O CAVALO ALAZÃO



Tem também aquela história de um belíssimo alazão
Que fugiu da propriedade do compadre Jeromão.

O cavalo era demais, animal de raça pura,
Em qualquer exposição, sempre fez boa figura.

Da família do compadre, o cavalo era a riqueza
E o desaparecimento, o que trouxe foi tristeza.

O alazão apareceu no arraial do coronel,
Homem muito poderoso, ele aqui e Deus no céu.

E o danado decidiu que o cavalo ia ser seu:
- Se ele entrou na minha terra, então foi Deus que me deu!

Malasartes ia passando, quando viu o Jeromão
Infeliz de dar piedade e pedir consolação.

- Jeromão, que cara é essa de tristeza e desatino?
O seu jeito é de quem tá sofrendo do intestino...

- Meu compadre Malasartes, veja que infelicidade!
Meu cavalo não é mais meu, dele só ficou saudade...

Meu cavalo valioso, meu belíssimo alazão,
Agora é propriedade do maldito de um ladrão!

O compadre contou tudo, tudo ouviu o Malasartes,
E o amigo prometeu fazer logo a sua parte.

Arranjou um gato preto, velho, feio e esmolambado,
E enfiou cinco moedas no traseiro do coitado...

Então foi todo feliz, com o gato na mochila,
Procurar o coronel, que devia estar na vila.

Realmente lá estava e montado no alazão
Preparando os eleitores para a próxima eleição.

Lá de dentro do bolsinho, Malasartes retirou
Outras dez moedas novas que na mão ele deixou.

Devagar foi se chegando e contando o seu relato.
Numa mão tinha moedas e na outra tinha um gato.

- Imaginem, meus amigos, vejam só que sorte a minha:
Agora eu tenho sustento para minha vida inteirinha!
Eu não sei se por encanto, ou milagre verdadeiro,
Encontrei esse gatinho que é uma usina de dinheiro.
Esse gato é a sorte grande, quem tem ele não tem fome.
Apertando-lhe a barriga, bom dinheiro ele descome!

Coronel achou estranha toda aquela explicação.
Duvidou bem duvidado e tirou satisfação:

- Isso para mim é papo de sujeito trapaceiro.
Imagine se de um gato sai moeda do traseiro!
Um milagre desse jeito é preciso ver pra crer.
Quero ver como é que pode o dinheiro aparecer!

Exibindo as dez moedas, Malasartes abriu a mão
Para o homem ver de perto lá de cima do alazão.

- Não duvide, coronel, que o que eu conto seja um fato.
Veja só estas moedas que eu tirei aqui do gato.
E eu espero que o bichano tenha mais a oferecer.
Com um gato como este, bom dinheiro espero ter!

Coronel se interessou, mas fingiu que não ligava
E naquele disparate ele não acreditava:

- Um punhado de moedas qualquer um pode trazer.
O que eu quero é ver o gato mais dinheiro descomer.
Se eu não vir tirar do gato as moedas lá do fundo,
É melhor levar daqui esse gato vagabundo!

Na barriga do bichano, Pedro deu uma espremida
E do fiofó do gato a moeda foi cuspida.

Assombrou-se o coronel, e a surpresa foi geral:
- Esse gato é de espantar, maravilha sem igual!
Nunca mais vou ter problemas se esse gato eu possuir.
Quanto custa esse bichano? pago o que você pedir!

Mas o Pedro tinha um plano e ele tinha de dar certo,
Era só continuar pois já estava quase perto.

- De dinheiro eu não preciso, nunca mais vou trabalhar,
Pois o gato me oferece tudo o que eu quiser comprar.
De uma vida bem melhor acho que estou no começo.
Me desculpe, coronel, mas gato não tem preço.
É tal qual o seu cavalo, com o garbo que ele tem.
Eu bem sei que vale muito e não tem preço também.

Concluiu o coronel ter achado a solução,
E propôs trocar o gato pau a pau pelo alazão:

- Se uma coisa não tem preço e uma outra também não,
É trocar elas por elas, sem qualquer hesitação!

Malasartes resistiu, fez-se um pouco de rogado,
Afirmando que ao bichano ele estava bem ligado.

Insistiu o coronel que a proposta era perfeita.
Malasartes concordou, logo a troca estava feita.

Cavalgou sem mais demora o lindíssimo alazão
E foi devolver ao dono, o compadre Jeromão.

Foi pra casa o coronel, aos pulinhos de contente,
Pois sonhava que a fortuna já chegara, finalmente.

Espremeu o pobre gato, já que agora ele era seu.
Logo algumas moedinhas o bichano descomeu.

Mas qual foi sua surpresa, quando viu que do tal gato
Ouro não saía mais, só saía... desacato!

Apenas do cheiro, de trabalho tão imundo,
Insistiu em procurar, com o dedo lá no fundo.

Já cansado dos maus-tratos, de ser tanto aperreado,
O bichano deu um salto e fugiu desesperado.

Desde então, o coronel ficou louco, há quem diga,
Procurando um gato preto pra apertar sua barriga.

Vive cheio de arranhões e borrado por inteiro.
E se todos fogem dele é por causa do mau cheiro...


3. O SACO ADIVINHO


Foi que foi,e o Malasartes, numa certa ocasião,

enredou-se numa história que foi só complicação.

O casal Pinto da Silva, gente ruim de dar com pau,

não pagava o que devia ao compadre Nicolau.

Toda vez que o Nicolau ia lá para cobrar,

os dois falsos se queixavam, começavam a chorar:

- Tenha pena, Nicolau! Veja que situação.

Nós dois não temos dinheiro pra comprar nem mesmo um pão.
Na verdade somos pobres e essa terra nada dá,
mesmo que a gente trabalhe dia e noite sem parar.
O problema inda é maior quando o caso é a criação,
pois a cobra vem e mata o pato, o porco e o leitão.
Paciência, Nicolau! Você só tem que esperar,
pois um dia a nossa vida haverá de melhorar.
Pois quem sabe ano que vem, e se dessa vez chover,
pode ser que o que eu plante no verão venha a crescer.
Pra salvar a criação, e se a cobra eu for matar,
estou certo que as galinhas muitos ovos vão botar...

O compadre foi embora e saiu sem um vintém,

pois aqueles dois malandros não pagavam a ninguém.

Sem saber o que fazer, Nicolau subiu o morro,

procurou o Malasartes e pediu o seu socorro.

Pedro viu que era difícil enganar o tal casal,

mas na hora ele criou uma ideia original.

Com um laço bem armado lá na ponta de um bambu,

conseguiu capturar um idoso urubu.

O urubu era tão velho que nem soube espernear.

Pois foi só pegar a ave e num saco encafuar.

Em seguida o pedro foi, carregando o velho saco,

espiar pela janela o casal lá no barraco.

Viu a dona preparando um leitão esplendoroso

e também viu queijos, vinhos e um feijão muito cheiroso.

O dinheiro do casal, nota a nota a contar,

o marido conferia esperando pra jantar.

Pedro foi bater à porta lá daquela moradia,

mas voltou para a janela pra ver o que acontecia.

Viu os dois surpreendidos esconder toda a comida

dentro de um armário grande que fecharam em seguida.

O marido, surpreendido, o dinheiro pôs num prato

e enfiou numa gaveta que fechou logo no ato.

Quando enfim se abriu a porta, Malasartes, bem esperto,

pediu pouso e comida já que a noite estava perto.

- Se ao amigo não ofendem a pobreza deste lar

e uma cuia de farinha, não se acanhe, pode entrar!

Malasartes agradeceu gentilmente e entrou,

pondo o saco bem debaixo da cadeira onde sentou.

Um punhado de farinha estendeu-lhe a talmulher

e ela ainda ofereceu uma cuia e uma colher.

Malasartes, novamente, educado agradeceu

mas olhando para o saco deu-lhe um chute que doeu.

Lá de dentro, do urubu, veio um ronco da barriga.

Pedro fez uma cara bem séria e disse alto: - Não me diga!

A mulher achou gozado e curiosa quis saber:

- Não sei como o senhor pode para um saco responder...

- Isso é estranho, eu concordo - respondeu o Malasartes.

- É que o saco é adivinho, e eu o levo a toda parte.

- Me desculpe o visitante - marido riu com troça.

- Mas um saco adivinhar eu não vejo como possa...

Malasartes concordou: - É difícil de se crer,

mas é bom saber que o saco acabou de me dizer
que o casal que me hospeda e alivia a minha fome
é uma gente muito fina que tem belo sobrenome.
É o casal Pinto da Silva, gente boa onde estiver,
sendo o Silva do marido, e o Pinto da mulher.

- Está certo, isso eu não nego - confirmou rindo o marido.

- O meu nome todos sabem, eu sou muito conhecido.

Em resposta ao que foi dito, Malasartes nem piscou.

Novamente deu um chute e outro ronco se escutou.

- A razão está consigo - disse o Pedro. - Isso é possível.

Mas agora o saco mágico falou coisa mais incrível.
Disse que naquele armário tem bom vinho e tem feijão,
tem arroz, tem queijo fino, tem até u bom leitão!

O casal teve de abrir o armário sem demora,

trazer tudo para a mesa e servir na mesma hora.

Malasartes comeu bem, regalou-se, o bom velhaco.

E no fim da refeição apertou de novo o saco.

- Mas o que virá? - perguntou o anfitrião.

- Quando o saco faz barulho, lá vem adivinhação!

- Está certo, meu compadre - disse o Pedro Malasartes.

- Me perdoe se esse saco deu de novo forte aparte.
Esse saco disse agora, e foi isso que eu ouvi,
que tem prato com dinheiro na gaveta logo ali!

- Esse saco é um portento! - a mulher disse ao marido,

sem nem se preocupar se o bom Pedro tinha ouvido.
- Quero o saco para mim, essa grande descoberta!
Vá pegar nosso dinheiro, pra fazer logo uma oferta!

O marido foi depressa o dinheiro procurar.

Mal sabia quanto o Pedro era mestre em pechinchar.

Pedro fez que não queria, regateou desde o começo.

Mas o Silva fez questão e foi aumentando o preço.

Quando o preço foi chegando ao valor que era devido

ao compadre Nicolau, Pedro deu-se por vencido:

- Está bem, eu vou vender, mas estou penalizado.

Só espero que em sua casa ele seja bem tratado.

O dinheiro do casal, bem feliz Pedro embolsou.

Despediu-se aliviado e o urubu ele entregou.

Ao compadre Nicolau, Malasartes foi ligeiro

e feliz com o sucesso devolveu todo o dinheiro.

A mulher mais o marido, a princípio com cuidado,

deram chutes e apertões no tal saco enfeitiçado.

Mas do saco, em desespero, por sofrer tanto apertão,

só saíam roncos tristes e nenhuma predição.

Resolveram abrir o saco para ver se era encantado,

mas lá dentro só encontraram o urubu já desmaiado! 


História em forma de poema: A Megera Domada


A MEGERA DOMADA (ADAPTADA PARA CORDEL)
William Shakespeare
Adaptação de Marco Haurélio




Eu vou contar uma história
Há muito tempo passada,
Na época em que a Itália
Não estava unificada
Vivia na rica Pádua
Uma família abastada.

Ali, Batista Minola
Era um rico mercador,
Pai da bela Catarina,
De semblante encantador,
Porém de um gênio terrível
Que a todos causava horror.

Também Batista era pai
De uma joia da Natura:
Era a caçula Bianca
Um anjo de formosura,
Que a todo mundo encantava
Pela beleza e candura.

Tinha muitos pretendentes
À mão da bela menina,
Porém o pai, que queria
Mudar a triste rotina,
Disse que só a casaria
Se casasse Catarina.

Assim, a pobre Bianca
Ficava sem opção,
Pois sua irmã Catarina
Tinha um gênio de dragão,
Que afastava qualquer um
Que almejasse sua mão.

Enquanto isso, Bianca
Via sempre os pretendentes,
Que ao seu pai, dia após dia,
Suplicavam insistentes.
Mas a decisão do velho
Os deixava descontentes.

Com frases duras, dizia:
- Podem se desenganar,
Pois enquanto Catarina
Nenhum homem desposar,
Bianca, por ser mais nova,
Também não pode casar.

Entre estes pretendentes
Um certo Hortênsio havia.
Ele adorava Bianca,
Porém, no fundo sabia,
Que Catarina jamais
Um homem desposaria.

Estando Hortênsio em casa,
Um cavalheiro bateu.
Hortêsio foi atendê-lo
E logo o reconheceu –
Era o fidalgo Petrúquio,
Um antigo amigo seu.

Tendo morrido seu pai,
Petrúquio, sem mais demora,
Deixou a velha Verona,
A cidade em que ele mora,
E com o criado Grúmio
Seguiu pelo mundo afora.

Herdando grande fortuna
Viu que chegara o momento
De encontrar um belo par
Para unir-se em casamento.
Hortênsio então lhe falou,
Como por divertimento:

- Petrúquio, conheço uma
Moça bonita e ilustrada,
Mas é a pior megera
Que na Terra foi gerada.
Conquanto que seja rica,
Dos homens vive afastada.

Petrúquio falou: - Hortênsio,
Conquanto que seja bela,
Haverei de desposar
Essa mimosa donzela,
Sem dar qualquer atenção
Ao menor defeito dela.

Hortênsio disse: - Ela é filha
Do bom mercador Batista.
Vou consigo a casa dele,
Disfarçado como artista,
Pois é a bela Bianca
Quem me inebria a vista.

Como professor de música
Você vai me apresentar,
Como estarei disfarçado,
Ninguém vai desconfiar –
Ficando a sós com Bianca
Eu garanto a conquistar.

Assim seguiram os amigos
Pra casa do mercador.
Hortênsio já imaginava
O quadro desolador
Que Catarina faria
Se alguém falasse de amor.

Iam outros pretendentes
Além do senhor Hortênsio,
O velho fidalgo Grêmio
E o estudante Lucêncio,
Filho de um rico senhor
Que se chamava Vicêncio.

Como professor de línguas,
Lucêncio foi disfarçado;
Pra assumir o seu nome
Deixou Trâncio, seu criado,
Para despistar Batista
E não ser incomodado.

Mas voltemos a falar
De nosso protagonista
Petrúquio, que já estava
Na presença de Batista
Passando as credenciais
Ao grande capitalista.

Petrúquio disse: - Senhor,
Em sua presença honrosa,
Sabendo que o senhor tem
Uma filha graciosa,
Venho como pretendente
A esta joia preciosa.

Sei que esta sua filha
Tem grande afabilidade.
Dizem que tem na modéstia
Sua melhor qualidade.
É uma caixa de pureza,
De doçura e de bondade.

À sua presença trago
Este meu nobre criado:
Seu nome é Lício e é
Um mantuano afamado;
Como professor de música
É ele o mais respeitado.

Esse Lício, na verdade,
Não era outro senão
Hortênsio, seu bom amigo,
Que, na mesma ocasião,
Apresentou-se a Batista
Munido dum violão.

Batista então lhe mandou
A Catarina ensinar.
Hortênsio foi noutra sala
A bela dama encontrar
Deixando o amigo Petrúquio
Com Batista a conversar.

Batista disse: - Petrúquio,
Admiro-lhe a coragem,
Porém, vindo de tão longe,
Você perdeu a viagem,
Pois minha filha possui
U’a natureza selvagem.

- Meu senhor, disse Petrúquio,
Sua filha é orgulhosa?
Saiba que eu sou mais teimoso
Do que a mula mais teimosa.
E saberei ser enérgico
Enquanto ela for nervosa.

Porque quando o vento é brando,
Soprando constantemente,
Acende mais a fogueira,
Porém será diferente
Com um furacão, porque
O apaga rapidamente.

Batista disse: - Meu filho,
Desejo-lhe boa sorte.
Para enfrentar Catarina
O cabra tem de ser forte.
Pois quem a conhece sabe,
Ela é pior que a morte!

Petrúquio disse: - Já estou
Nesta vida acostumado
Às montanhas que nem mesmo
O vento tem abalado.
Olhou para o lado e viu
Hortênsio desfigurado.

Batista disse: - Senhor,
Por que tanta palidez?
Hortênsio falou: - É medo!
Viu o que sua filha fez?
Arrebentou-me a cabeça –
Quase morro desta vez.

Ao dizer-lhe que nas notas
Ela se havia enganado,
Catarina me chamou
De cretino abestalhado
E o meu violão ficou
Na cabeça atravessado.

Chamou-me de tanto nome,
Que nem ouso repetir.
Só peço a Deus que ninguém
Seja obrigado a ouvir
As injúrias que esta moça
Usou para me atingir.

Batista disse: - Bom Lício,
Não queira desanimar.
À minha filha caçula
Você irá ensinar,
Pois é educada e tem
Tendência para estudar.

E disse à parte a Petrúquio:
- Quer que chame minha filha?
O rapaz lhe respondeu:
- Será uma maravilha.
Eu e Catarina agora
Vamos dançar a quadrilha.

Mas se ela me ofender,
Não demonstrarei espanto:
Suas ofensas serão
Do rouxinol doce canto.
Direi que ela tem da rosa
Odor, beleza e encanto.

Naquele exato momento
Catarina foi chamada.
Petrúquio disse: - Me deixem
A sós com a minha amada.
Nisso, a moça entrou na sala,
Com a expressão enfezada.

- Bom dia, boa Catita,
Disse-lhe o gracejador.
Pois eu soube que esse era
O nome do meu amor.
Disse ela: - Os seus ouvidos
São meio duros, senhor.

- Que nada! Eu escuto bem –
Você é minha Catita.
De quem sempre ouvi falar
Que é cordata e bonita.
É minha futura esposa
Por quem meu peito se agita.

- Vou fazê-lo se agitar
Cão sarnento, condenado!
Vejo ali um tamborete,
Um móvel apropriado,
Para arrebentar-lhe o quengo
E, assim, deixá-lo agitado.

- Tamborete? – disse o moço.
Ah, sim, venha se assentar
Depressinha no meu colo.
Disse ela: - Vai se danar!
Os burros também são feitos
Para os outros carregar.

Vai embora, casca-grossa,
Matuto, mal-amanhado!
Jamais serei sua esposa,
Tipo vil, estropiado!
Gavião do bico sujo,
Vai roubar noutro cercado!

- Você é a pomba que cai
Nas garras do gavião.
Catarina, ouvindo aquilo,
Disse: - Oh que humilhação,
Escutar esse infeliz
Fazer tal comparação.

- Então, és uma abelhinha,
Oh, minha Catita amada.
- Se sou abelha, vilão,
Estou bastante irritada.
Cuidado com o meu ferrão,
Que tem a ponta afiada!

- Catita, serei forçado
A esse ferrão arrancar.
- Experimente, imbecil,
A mão em mim encostar.
- Catita, sou cavalheiro
Cujo defeito é amar.

(...)

- Você não é cavalheiro,
É um bobo embrutecido!
Galo de fala fanhosa,
Camponês aborrecido!
- Catita então é a galinha
Que me terá por marido.

- Condenado de uma figa,
Melhor olhar no espelho!
Você está bem acabado,
Portanto, aceite um conselho:
Ponha-se da porta afora,
Se não quiser levar relho!

- Catita, não vou embora,
Pois agora descobri
Que eram mentiras puras
Os fuxicos que eu ouvi.
Catita é uma grande dama,
Por isso eu a escolhi.

Diziam que era irritada,
No entanto, é tão bondosa,
Não sabe morder o lábio
Como a moça geniosa;
Tem da amêndoa o sabor,
Da noz a cor preciosa.

Caminha, que eu quero ver
A minha Catita andando.
- Vai dar ordem aos teus servos,
Idiota miserando!
- Catita é ainda mais bela
Quando está me elogiando.

Naquilo vinha chegando
Batista, o pai da donzela,
Que perguntou a Petrúquio:
- Como vai indo com ela?
Disse o moço: - Muito bem;
É tão boa quanto bela.

Disse o velho: - Minha filha,
Inda está de mau humor?
- Pai, não me chame de filha,
Pois a mim não tem amor,
Querendo me casar com
Um louco blasfemador.

Petrúquio disse: - Meu sogro,
Hoje estou muito contente,
É por política apenas
Que Catita é maldizente.
Tem a modéstia da pomba
E nunca fica insolente.

E já que ela não tem
Esse mau temperamento
Conclamo os que aqui estão,
Pra anunciar o momento:
Que no próximo domingo
Será nosso casamento.

A moça disse: - Prefiro
Vê-lo antes enforcado.
Petrúquio falou: - Senhores,
Isto é o que foi combinado
Para que ninguém dissesse
Que o casório é arranjado.

Vou a Veneza comprar
O necessário enxoval.
Meu sogro, faça os convites,
Chame a todos, afinal,
Esta data para mim
É mais do que especial.

Quando Petrúquio saiu,
Instalou-se a confusão,
Pois os outros pretendentes,
Já cobiçavam a mão
Da meiga jovem Bianca
Nessa mesma ocasião.

Batista propôs então
Cada um apresentar
Um dote com que pudesse
Sua filha contemplar.
Grêmio lhe prometeu tanto
Que é escusado narrar.

Mas Trânio (o falso Lucêncio)
Lhe prometeu muito mais
Em terras, ouro, navios,
Incontáveis cabedais –
Desta forma, o velho Grêmio
Foi passado para trás.

Porém Batista pediu-lhe
Que trouxesse a garantia
Dada pelo pai Vicêncio,
Que em Pisa residia,
E o criado de Lucêncio
Assim entrou numa fria.

E o verdadeiro Lucêncio,
Em professor disfarçado,
Ia ensinar Bianca,
Mas sempre era perturbado
Por Hortênsio, que já tinha
De Catarina apanhado.

E assim ficavam eles
Em tormentosa querela,
Disputando palmo a palmo
A atenção da donzela,
E era por Lucêncio que
Batia o coração dela.

Afinal, chegou domingo,
A data mais que aguardada,
E Catarina, a megera,
Só esperava a chegada
Do noivo, pois se sentia
Com seu atraso afrontada.

Dizia ela: - Eu me encontro
Neste lugar coagida
Para viver com um louco
O resto da minha vida –
Isto é, se ele vier –
Oh! Sorte desmerecida!

Os convidados diziam:
- Paciência, Catarina...
Porém a moça chorava,
Maldizendo sua sina,
Já não parecia mais
A megera tão ferina.

Nisto Petrúquio chegava
Mais de uma hora atrasado,
Com uma calça rasgada,
Um cordão dependurado,
Uma espada enferrujada,
Que tinha o punho quebrado.

O cavalo em que ele veio
Tinha tanta infecção,
Vermes e icterícia
E um odor de podridão,
Que os urubus, quando o viam,
Vinham logo em procissão.

Quando ele chegou de longe,
Já sentiam o pituim.
O velho Batista disse:
- Foi muito melhor assim.
Se esse traste não viesse,
A coisa estaria ruim.

Também seu criado Grúmio
Vinha mal paramentado,
Que parecia um duende
De gente fantasiado,
E nunca um pajem cristão
De um fidalgo afamado.

Batista, vendo Petrúquio
Em estado tão precário,
Disse: - Vamos, filho, agora
Mudar esse vestuário...
Petrúquio disse: - Qual nada!
Isto não é necessário.

Na verdade, meu bom sogro,
Irei do jeito que estou.
Não foi com a minha roupa
Que Catarina noivou.
Portanto, não vou mudá-la,
Pois insensato não sou.

E assim foi para a igreja,
Pra se unir em matrimônio
Com Catarina Minola
Da beleza patrimônio.
Petrúquio, quando chegou,
Tropeçou em Santo Antônio.

(...)

O moço seguiu então
Pra se unir em sacramento.
Foi quando o padre indagou,
Naquele feliz momento,
Se Petrúquio aceitaria
Catarina em casamento.

- Claro que aceito, padre.
Mas que pergunta do cão!
O vigário, ouvindo aquilo,
Quase perdia a razão,
E de suas mãos caiu
O santo livro no chão.

Petrúquio disse: - Essa peste
Encheu a cara de pinga!
E deu-lhe um tapa aprumado
Bem no meio da moringa,
Que o padre caiu de quatro,
Pois não tinha muita ginga.

Do vinho da cerimônia
O noivo encheu a caneca,
Disse: - Ô vinho ruim da gota!
E quase levando à breca
Jogou-o no sacristão,
Bem no meio da careca.

Depois disto, ele agarrou
A noiva pelo gargalo
E deu-lhe um beijo na boca,
Com escandaloso estalo,
Que a nobreza envergonhada
Se recusava a olhá-lo.

Terminada a cerimônia,
Os convidados saíram
E na mansão de Batista
Mais tarde se reuniram;
Por incrível que pareça,
Outro vexame assistiram.

Mesmo com a mesa posta,
Petrúquio não quis ficar
E as ricas iguarias
Não quis experimentar.
Disse: - Amigos, me desculpem,
Mas não posso demorar.

Eu agradeço de todos
A honesta companhia,
Mas com minha doce esposa
Seguirei por outra via.
Comam até se fartarem...
Adeus e até outro dia.

Catarina também disse:
- Meu senhor, eu lhe suplico
Que fique para o banquete.
Petrúquio disse: - Eu não fico.
Vamos para a nossa casa
Que a todos depois me explico.

Catarina disse então:
- Vá o senhor, se quiser,
Porque sairei daqui
Só quando me convier.
Petrúquio, sorrindo, disse:
Vamos pra casa, mulher.

E bradou para o criado:
- Grúmio, saque a sua espada,
Pois ao meu lado Catita
Não deverá temer nada,
Porque serei seu escudo
Contra essa corja malvada.

Não querendo se arriscar,
Catarina o acompanhou.
Do banquete formidável
Nenhum pedaço provou.
Sem dizer uma palavra,
No seu cavalo montou.

Petrúquio montou com ela
E seguiram pela estrada.
Algumas léguas à frente,
Catarina, já cansada,
Na beira de uma colina,
Foi ao chão arremessada.

Dizem que o tal azar
Quando chega, ninguém chama:
Catarina foi cair
Dentro da poça de lama.
Petrúquio, vendo o desastre,
Mais a cólera o inflama.

Também caiu o cavalo
Em cima dela sentado.
Petrúquio deu um cascudo
Na cabeça do criado.
Catarina suplicava
Vendo o esposo zangado.

Petrúquio gritou ao servo:
- Segue na frente, vilão,
E avisa a criadagem
Pra fazer a refeição,
Pois o cavalo fugiu
E nós ficamos na mão.

Em sua casa de campo
Petrúquio chegou zangado,
Acompanhado da esposa
Com um semblante assustado.
O moço, quando viu Grúmio,
Perguntou sobressaltado:

- Onde está a criadagem?
Ninguém vem nos receber!
Grúmio lhe disse: - Eu fiz tudo
Que o senhor mandou fazer.
Petrúquio berrou: - Palermas!
Venham minha esposa ver!

Se não vierem agora,
Vou sapecar-lhes o ramo!
Os criados, ao chegarem,
Disseram: - pronto, meu amo.
Mas o patrão perguntou:
- Por que não vêm quando chamo?

Toda criadagem estava
Adornada ricamente,
Porém Petrúquio gritou:
- Quem foi o asno insolente
Que vestiu patifes
Com roupas de indigente?

Traga logo a nossa janta!
Ordenou a um criado.
Este foi para a cozinha,
Trouxe um prato avantajado.
Petrúquio disse: - Não serve...
O carneiro está queimado.

E os pedaços de carne
Saíram dali voando.
Catarina, agoniada,
Com o estômago roncando,
Viu aquele bom petisco
Os cachorros devorando.

Mais tarde foram deitar,
Mas também não houve jeito,
Pois Petrúquio não parava
De escarafunchar o leito;
E em qualquer detalhe mínimo
Ele enxergava um defeito.

Catarina, coitadinha,
Passou a noite acordada.
Da moça tão orgulhosa
Não restava quase nada.
Mais tarde iremos saber
Se a megera foi domada.

Vamos deixar Catarina
Para em Bianca falar,
E assim sabermos com quem
A mocinha vai casar,
Já que Hortênsio e Trânio
Estão a lhe espreitar.

Mas o coração da bela
Só por Lucêncio batia.
Quando os dois se aperceberam
Que a moça não os queria,
Um exclamou para o outro:
- Oh! Que grande zombaria!

Mas Trânio só estava ali
A mando de seu patrão
Para distrair Batista
E evitar complicação,
Cortejando, assim, Bianca,
Sem haver intromissão.

Contudo, tinha um problema:
Trânio havia prometido
Apresentar a Batista
Vicêncio, seu “pai” querido.
Até que um dia ele viu
O seu caso resolvido.

Um pedagogo de Mântua
Estava ali de passagem.
Então Trânio se valeu
Duma grande traquinagem,
Ao lado de Biondelo
Que de Lucêncio era pajem.

(...)

Trânio disse ao pedagogo:
- Que fazes neste lugar?
Porque o duque de Pádua
Pode mandá-lo enforcar
Por causa duma lei dura
Que ele fez proclamar.

O velho desesperado
Não sabia o que fazer,
Mas Trânio, muito matreiro,
Prometeu lhe socorrer
Desde que o dito fizesse
O que ele iria dizer.

O velho concordou logo,
Temendo ser enforcado.
E o pedagogo foi
A Batista apresentado
Como se fosse Vicêncio,
Que ali havia chegado.

Enquanto isso, Biondelo
Foi a Lucêncio avisar,
Que procurasse um padre
Que pudesse celebrar
Sua união com Bianca,
Sem ninguém incomodar.

Deixemos Trânio e o velho
Engabelando Batista,
E voltemos a falar
No casal protagonista,
Pra saber se Catarina
Mudou seu ponto de vista.

A moça com tanta fome
Já estava com delírio
O seu rosto, antes corado,
Tinha a palidez do lírio.
Mas alguém trouxe comida
Pra pôr fim ao seu martírio.

Era Petrúquio que vinha
Com o prato de comida.
Ao ver a mulher calada,
Foi dizendo: - Minha vida,
Não vai comer, pois se mostra
Muito mal-agradecida.

- Muito obrigada, senhor!
Disse ela de repente.
Hortênsio, que ali se achava,
Ainda estava descrente,
Pois era quase uma pomba
Quem antes fora serpente.

Assim que ela terminou,
Petrúquio disse: - Catita,
Se prepare porque nós
Faremos uma visita
A sua família em Pádua –
E a quero bem bonita.

E naquele mesmo instante
Mandou entrar um mascate
E, acompanhado deste,
Também veio um alfaiate.
Agora vai ter início
Mais um grande disparate.

Um gorro para a mulher
Petrúquio encomendou.
Quando o mascate o trouxe
E ao fidalgo mostrou,
Este, fingindo irritado,
Por esta forma falou:

- Que coisa mais esquisita,
Moldada numa gamela!
Tire já isto daqui,
Que pra mim é esparrela.
Minha esposa não o quer –
Isto não serve pra ela.

Catarina refugou,
Achando o gorro bonito,
Mas Petrúquio não cedeu
E disse: - Eu não admito
Ver minha mulher amada
Com esse troço esquisito.

O pobre alfaiate então
Mostrou um belo vestido.
Petrúquio assim que o viu,
Com o olhar aborrecido,
Disse: - O que é isto, meu Deus?!
De minha razão duvido.

Vai pra o diabo, alfaiate!
Com essa patifaria!
Mas Catarina lhe disse,
Já mostrando simpatia:
- Um vestido belo assim
Há muito tempo eu não via.

Mas Petrúquio retrucou:
- Não sejamos imprudentes,
Doravante vestiremos
Trajes simples e decentes.
E ninguém achará ruim –
Todos ficarão contentes.

E disse à parte a Hortênsio:
Que ao alfaiate pagasse
E o motivo da querela,
Outra hora lhe explicasse.
Hortênsio, com muita calma,
Logo pôs fim ao impasse.

Tomando o rumo de Pádua
Todos já estavam fora.
Petrúquio disse: - Olha a lua
Como brilha nesta hora.
Disse Catarina: - É o sol,
Pois não há luar agora.

Como ela não sustentasse
Que aquilo era o luar,
Petrúquio disse aos criados
Que deviam retornar.
Aí Hortênsio interveio,
Vendo a coisa piorar.

- Marido, vamos em frente,
Assim falou Catarina –
Também penso que a lua
Agora nos ilumina.
É o que quiser que seja:
Lua, sol ou lamparina.

Foram seguindo adiante
Quando avistaram um idoso.
Petrúquio se dirigiu
A ele num tom chistoso:
- Oh! Que senhora bonita!
Oh! que porte majestoso!

Catarina, amedrontada,
Disse: - Que virgem viçosa!
É uma rosa em botão
Esta donzela formosa.
Felizes os pais que têm
Uma filha tão vistosa.

- O que dizes tu, Catita?
Pois o que vejo ao meu lado
Não é donzela nenhuma:
É um ancião enrugado,
Carcomido pelos anos,
Definhado e descarnado.

Este velho era Vicêncio,
Que rumo a Pádua seguia,
Ia visitar seu filho
Lucêncio no mesmo dia
Em que, por azar, foi vítima
Da infame zombaria.

Vicêncio disse: - Senhor,
E minha alegre senhora,
Eu sou Vicêncio de Pisa
E estou seguindo agora
Para Pádua onde Lucêncio,
Meu amado filho, mora.

Petrúquio lhe disse então:
- Um feliz acaso quer
Que sigamos todos juntos,
Se ao senhor convier.
Seu filho desposará
A irmã de minha mulher.

Mas quando em Pádua chegaram,
Deu-se enorme confusão,
Pois Lucêncio, aproveitando
A melhor ocasião,
Foi casar-se com Bianca,
A sua grande paixão.

Lá na casa de Lucêncio
Se encontrava o pedagogo,
Que, obrigado por Trânio,
Fazia parte do jogo.
Quando Vicêncio chegou
A coisa então pegou fogo.

O velho chamou Lucêncio,
Mas foi Trânio que atendeu;
Na maior cara de pau,
Disse: - Lucêncio sou eu.
Quando ele disse aquilo,
O velhote enlouqueceu.

- Lucêncio o quê, condenado?
Você é meu servo Trânio.
Que acompanha o meu filho
E é dele conterrâneo.
Biondelo entrou no meio,
Tomou um coque no crânio.

Nisto, surge o pedagogo
Que, já se achando em sufoco,
Disse: - Vilão, impostor,
Não passas de um asno louco!
Porque Vicêncio sou eu;
Fora daqui, pato rouco!

A confusão aumentava
E naquele vuco-vuco,
Batista disse a Vicêncio:
- Sai pra lá, velho caduco.
Devia estar na prisão –
Prendam logo este maluco!

Quando queriam levar
O velho para a prisão,
Bianca e o jovem Lucêncio
Apontaram no portão,
Esclarecendo-se assim
A terrível confusão.

(...)

Envergonhado, Batista
Também não quis botar banca,
E perdoou sua filha,
Mostrando ter alma franca,
Abençoando a união
De Lucêncio com Bianca.

E Hortênsio, rejeitado
Por Bianca, se arrumou
Com uma rica viúva,
Que foi quem o consolou,
Quando a moça por Lucêncio
O seu amor demonstrou.

A festa de casamento
Estava muito animada,
Mas a viúva de Hortênsio,
Estando um pouco exaltada,
Foi provocar Catarina
Para vê-la aperreada.

Quando os outros convidados
Entraram na discussão,
Bianca se levantou
E, com muita discrição,
Com Catarina e a viúva,
Foi para um outro salão.

Saindo elas, os homens
Seguiam com sua prosa
Uma discussão acerca
Da mulher mais geniosa –
Achavam que Catarina
Era a menos amistosa.

Depois de muita conversa,
Os três esposos presentes
Apostaram cem coroas
Sobre as mulheres ausentes –
Petrúquio fez a proposta
Aos dois outros oponentes.

Cada apostador
Sua esposa chamaria.
A que não comparecesse,
O marido perderia.
Lucêncio a Biondelo
Expôs o que ele queria.

Biondelo foi chamá-la,
Bianca não o atendeu.
Quando o criado voltou,
Lucêncio empalideceu.
A viúva de Hortênsio
Também não compareceu.

Petrúquio falou: - Hortênsio,
Sua mulher não é boa!
Depois ordenou a Grúmio:
- Vá buscar sua patroa.
Diga a ela que a chamo –
Não dê viagem à toa.

Catarina veio logo,
Dizendo: - Pronto, marido.
Petrúquio disse: - Catita,
Quero fazer-lhe um pedido
Traga-me as outras mulheres,
Sem grito nem alarido.

Quando Catarina veio
Houve espanto geral.
Lucêncio disse: - É milagre!
A mudança foi total.
Hortênsio disse: - Petrúquio
Ganhou a aposta afinal.

Retornando Catarina
As outras duas trazia.
A viúva resmungou:
- Meu Deus, não permita um dia
Que eu venha a ser tão servil
Quanto esta esposa vazia.

Bianca exclamou também:
- A minha irmã está louca!
Mas Catarina falou:
- Vocês têm vergonha pouca.
Desarmem suas carrancas,
Escutem e calem a boca.

Uma mulher irritada
É igual um furacão
Que destrói a formosura
De uma rosa em botão.
Quem age de tal maneira
Não possui reputação.

Porque a mulher indócil,
Rebelde, mal-humorada,
É uma seara estéril,
Que não produzirá nada
E nunca por seu marido
Merecerá ser amada.

Quem se mostrar orgulhosa
Colherá somente a dor.
A mão que conduz a lança
Deve portar uma flor
Pra que se possa pagar
O tributo do amor.

Petrúquio então a chamou
E ali os dois se beijaram.
Os que ali se encontravam
Admirados ficaram.
E eles durante a vida
Do amor compartilharam.

Esta comédia nasceu
Do gênio de um inglês.
Há muito tempo eu a li
E agora chegou a vez
De recontá-la em versos
E oferecê-la a vocês.

Meus bons amigos, agora
Eu devo me despedir.
Graças a sua atenção,
Em frente posso seguir
Riscando do meu caderno
A palavra desistir.

Desanimar é bobagem,
O Petrúquio é a prova.
Mesmo quando a circunstância
A sua ideia reprova,
Desistindo, não se chega
A uma consciência nova.